Autor: Carlos Relva
Fonte: http://minicontos.blogspot.com.br/
Começaram os procedimentos automáticos para aterrissagem no planeta alienígena. Treze anos, uma longa viagem!
Sempre vivi nesta nave, desde que nasci, confinada na cúpula branca que é o meu mundo. Um mundo bem simples: um teto abobadado com luz central, que passa a noção de dia e noite, e um chão circular e liso, suficiente apenas para que eu possa caminhar e me exercitar.
Nunca tive permissão de tirar meu traje branco almofadado, que está ligado a dois tubos. Um me nutre e o outro recolhe os meus dejetos. Por isso, não sei como é meu corpo. Mas tenho uma vaga ideia, devido às formas do traje.
Também fico imaginando como é a Terra. Sei que é azul e rodeada de água. Os áudios-aulas me ensinaram sobre isso. Assim como me ensinaram a falar e ter noção das cores, auxiliados pela luz no alto da cúpula que pode adquirir várias tonalidades.
Meus pais? Só conheço suas vozes. A de mamãe é carinhosa e triste...
Nas transmissões, eles dizem que me amam e que estou fazendo algo muito importante. Mas não podem falar a respeito...
Muitas vezes chorei. Principalmente quando descobri que as outras meninas têm uma vida bem diferente da minha. Quando choro, inclino a cabeça para que as lágrimas caiam no visor e as observo enquanto são absorvidas pelo traje.
As lágrimas são tudo o que conheço de mim. Antes pensava que meu corpo era formado por elas.
Perguntei a mamãe como poderia definir as lágrimas. Não tinha uma referência. "Cristalinas", ela respondeu hesitante. Papai não gostou do que ela fez. Disse que referenciais são perigosos.
Mas, por quê?
Minha nave acaba de pousar e pela primeira vez a cúpula se abre.
Sou recepcionada por alienígenas altos, com inúmeras pernas, finas e alongadas. Seus corpos são vítreos e duros, como o visor do meu traje, e amarronzados. Líquidos verdes fluem dentro deles.
Os alienígenas me mostram como se alimentam. Com os tubos em seus troncos sugam criaturinhas azuis que são submersas no líquido esverdeado. Elas gritam e se debatem, enquanto são lentamente decompostas. Também vejo como nascem famintos, devoram suas próprias mães e irmãos mais fracos. E quando já velhos e enfraquecidos fogem inutilmente de outros mais jovens que querem desmembrá-los, para que morram rapidamente...
Tudo é novidade para mim. Tudo é belo e maravilhoso.
- Você é diferente - fala um dos alienígenas na minha mente, acho que de forma telepática. - Há tempos, outros de vocês vieram nos visitar.
Imploravam ajuda para seu mundo. Mas ficaram horrorizados com o que viram aqui. Tentaram dissimular, mas seus pensamentos eram claros: achavam-nos monstros! Alguns de nós, envergonhados e ofendidos, acabaram por matá-los.
Mas vejo que vocês aprenderam a lição e agora nos vêm com outros olhos.
Diz que vão nos ajudar. Pergunto no que, mas a resposta é complicada demais para mim.
Retorno ansiosa para a nave, acredito ter ganho o direito de conhecer meu próprio corpo. Apressadamente me dispo, enquanto penso na longa viagem de volta. Verei a Terra com meus próprios olhos! Ela é azul, mas essa ideia me parece estranha. Afinal, se a Terra é rodeada de água, como a que brota de meus olhos, não deveria ser cristalina como as lágrimas?
Estou desnuda. Oh! Então é assim que eu sou...