A poesia lírica algumas reflexões
por Dalberto Teixeira*
O que é a poesia? São muitos os poetas e críticos que tentaram responder
a essa pergunta. Mário Quintana, inclusive, ao ser questionado sobre o assunto,
confessa que, apesar de estar há tanto tempo fazendo poesia, ficou embaraçado
ao dar uma resposta.Somente para ter uma ideia, vejamos algumas definições
dadas por poetas e críticos e citadas por Pedro Lyra em seu livro Conceito de Poesia (São Paulo: Ática, 1996, p.5-6):
“mensagem voltada
para a mensagem” (Roman Jakobson)
“um fingimento deveras” (Fernando Pessoa)
“design da linguagem” (Décio Pignatari)
“se faz com palavras e não com idéias” (Mallarmé)
“emoção recolhida com tranqüilidade” (Wordswrth)
“palavras olhando para si mesmas” (Cecília Meireles)
“ uma viagem ao desconhecido” (Maiakovski)
“ o que o meu inconsciente me grita” (Mário de Andrade)
“permanente hesitação entre som e sentido” (Paul Valery)
“ a liberdade da minha linguagem” (Paulo Leminski)
“a descoberta das coisas que eu nunca vi” (Oswald de Andrade)
“ a ida ao desconhecido para encontrar o novo” (Baudelaire)
“um fingimento deveras” (Fernando Pessoa)
“design da linguagem” (Décio Pignatari)
“se faz com palavras e não com idéias” (Mallarmé)
“emoção recolhida com tranqüilidade” (Wordswrth)
“palavras olhando para si mesmas” (Cecília Meireles)
“ uma viagem ao desconhecido” (Maiakovski)
“ o que o meu inconsciente me grita” (Mário de Andrade)
“permanente hesitação entre som e sentido” (Paul Valery)
“ a liberdade da minha linguagem” (Paulo Leminski)
“a descoberta das coisas que eu nunca vi” (Oswald de Andrade)
“ a ida ao desconhecido para encontrar o novo” (Baudelaire)
A essas definições poderíamos acrescentar a de Rabelais, segundo a qual “a poesia é a virtude do inútil”, ou um conjunto de inutilidades, na expressão de
Manoel de Barros.
Segundo essa visão, a poesia não serviria para nada, e é justamente por
isso que é poesia. Se servisse para alguma coisa útil, como comprar, vender,
trocar, não seria poesia, seria uma moeda, um objeto, um instrumento ou outra
coisa qualquer. A poesia basta a si mesma, não é comunicação, mas expressão.
Não comunica nada, não ensina nada, não é uma filosofia, uma ciência, uma
doutrina.
Isso não significa que a poesia não seja uma forma de conhecimento, mas trata-se
de uma forma de conhecimento muito específica, singularizada. Existem várias
formas de conhecimento, fornecidas pelos mais diversos ramos do saber: a
ciência, a filosofia, a religião. Uma depende da pesquisa, da investigação,
outra depende da reflexão, outra depende da fé e assim por diante. A poesia
também é uma forma de conhecimento, mas um conhecimento poético da realidade.
O que significa esse conhecimento poético da realidade? Vejamos: nós
conhecemos apenas uma parcela da realidade, que apreendemos pela razão, pela
reflexão, pela investigação. Dessa forma, a nossa apreensão do mundo se faz por
meio de conceitos. Em vez de sentir o mundo, nós “pensamos” o mundo. O “pensar”
substituiu o “sentir”.
Assim, a função da poesia é a de resgatar a nossa percepção de mundo e
tornar sensível, erótica a relação com os seres e as coisas. E isso somente se
consegue por meio de uma desfamiliarização do olhar.
Nesse sentido, vale citar uma passagem de um ensaio intitulado A arte como procedimento, do formalista russo Chklovski: “E eis
que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos, para provar que
pedra é pedra, existe o que se chama arte”. Trata-se de olhar para as coisas
como se as estivéssemos vendo pela primeira vez, ou, como diria Oswald de
Andrade: “Aprendi com meu filho de
oito anos que a poesia é a descoberta das coisas que eu nunca vi”.
Isso nos leva a descobrir uma outra realidade, que não está condicionada
pelos nossos hábitos, pelas convenções, pelas ações repetitivas. Trata-se de
uma realidade que não está além, mas aquém. É anterior à linguagem, aos
conceitos, à nomeação.
Vejamos: as origens da poesia e da arte de uma maneira geral remetem a
um mundo mítico e tem ligações com o modo de o homem primitivo e a criança
conceberem o mundo.
Por exemplo: como o homem primitivo concebia o mundo? Por meio de
analogias. Assim o sol seria uma bola de fogo, as estrelas pedras brilhantes, o
vento um espírito e assim por diante. Por isso que o poeta se assemelha muito
com o homem primitivo, com a crianças, porque a percepção do mundo não se faz
por meio de conceitos, mas por meio de imagens
Existem diversas
formas de conhecimento, fornecidas por vários ramos do saber: ciências,
filosofia, religião. A poesia também é uma forma de conhecimento: um
conhecimento poético, específico, singularizado da realidade
Nesse sentido, vale citar um poema em prosa de Mário Quintana em Literatura Comentada. Mário Quintana (São Paulo: Nova
Cultural, 1988, p. 123- 124), que ilustra muito bem as duas concepções de
mundo, a convencional e a poética:
Quando pouso os
óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura
de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos
sobre a mesa. Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou
antenas? Com algum ciclista tombado? Não, nada disso me contenta ainda. Com que
se parecem mesmo? E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita
imagem-poema, a inquietação perdurará. E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de
si e de senso comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa,
além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos
sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois – Dom Quixote ou Sancho? – vive uma
vida mais intensa e portanto mais verdadeira... E paira no ar o eterno mistério
dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e
da vida em poesia, para ser mais vivida.
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Nesse texto , um simples objeto, um par de óculos, que tem uma função
unicamente utilitária, ou seja, para enxergar melhor, perde a sua função
instrumental e se transforma num objeto de contemplação estética. Estamos, assim,
diante de um conhecimento poético da realidade, ou seja, o conhecimento que o
homem primitivo tinha do mundo e a criança possuía antes de se tornar adulta.
Assim que nos
tornamos adultos, ficamos cada vez mais racionais e começamos a
perder o contato sensível com tudo o que nos cerca. É o domínio da razão, da
lógica, da busca pela verdade.
Mas a verdade destrói o belo, porque o belo está nesse olhar sensível
que lançamos para os seres e as coisas. Por exemplo, dizer que a lua é a
enamorada do sol encanta mais do que dizer que ela é o satélite da terra.
O mundo é belo antes de ser verdadeiro, porque o conhecimento poético
precede o conhecimento racional dos objetos. Nesse sentido, vale citar essa
frase de Nietzsche: “A beleza é melhor que a
verdade”.
Então, o que faz a poesia? Por meio da poesia, o poeta/artista regressa
a um mundo anterior ao mundo que conhecemos por meio da ciência. Trata-se de um
mundo em sua pureza, em sua concretude, livre de conceitos, de pré-conceitos,
de ideologias, de racionalismos.
A partir dessas considerações, podemos arriscar uma afirmação sobre a
função da poesia: reencantar o mundo por meio da palavra poética.
Para encerrar, vai aqui um poema de Manoel de Barros:
MIRÓ
Para atingir sua expressão Fontana
Miró precisava de esquecer os traços
e as doutrinas que aprendera nos livros.
Desejava atingir a pureza de não saber
mais nada.
Fazia um ritual para atingir essa
pureza: ia ao fundo do quintal à busca de uma árvore.
E ali, ao pé da árvore, enterrava de
vez tudo aquilo que havia aprendido nos livros.
Depois depositava sobre o enterro uma
nobre mijada florestal.
Sobre o enterro nasciam borboletas,
restos de insetos, cascas de cigarra etc.
A partir dos restos Miró iniciava a
sua engenharia de cores.
Muitas vezes chegava a iluminuras a
partir de um dejeto de mosca deixada na tela.
Sua expressão Fontana se iniciava
naquela mancha
O escuro o iluminava.
*Dalberto Teixeira é mestre em Literatura Brasileira e professor da
FUNEC. (dalbertoprofessor@yahoo.com.br)
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